Abril Indígena: a presença Pankararu na PUC-SP

Texto escrito por discentes e pela coordenação do Programa Pindorama

por Redação | 30/04/2024
Divulgação
Texto de Charles Pankararu, Caynã Nicó Pankararu e Daniela dos Reis Chagas

Ao finalizarmos o mês de abril, convidamos a comunidade acadêmica a refletir sobre a importância da presença dos povos originários na universidade e a conhecer um pouco mais acerca dos povos que constroem a História na PUC-SP, assim como suas lutas e desafios pelo acesso e permanência na educação superior.

Segundo levantamento do Instituto SEMESP, realizado em 2021, em dez anos, houve um aumento exponencial da presença de universitários indígenas nas universidades brasileiras. Em 2011, contabilizava-se um número de 9.764 indígenas. Em 2021, eram 46.252.

A existência de indígenas estudantes na PUC-SP surgiu com um audacioso projeto chamado Pindorama, iniciativa de professoras das faculdades de psicologia, ciências sociais e da pastoral indigenista, que em 2001 acolheram a reivindicação de um grupo de indígenas que vislumbravam o ingresso numa universidade como estratégia de luta, conquista, protagonismo e autonomia. A ideia consolidou-se e, desde então, já passaram pela Universidade mais 200 indígenas de diversas etnias. O projeto viabiliza o acesso à bolsa Fundasp e, com o apoio do coletivo Pindorama, formado por alunos e ex -alunos indígenas, professores e aliados, fomenta o fortalecimento para a permanência desses estudantes, já que os desafios são muitos.

Nesta História, destaca-se a luta de um dos povos que participaram desde o início dos diálogos com a PUC-SP pela abertura da universidade aos indígenas: o povo Pankararu. Queremos, assim, apresentar neste texto, ainda que brevemente, quem são os Pankararu e como seus saberes contribuem com a sociedade acadêmica não indígena.

 

Comunidade Pankararu

A comunidade Pankararu é pertencente ao bioma Caatinga, no sertão de Pernambuco, às margens do Rio São Francisco. Como na maioria das culturas indígenas do Brasil, por causa dos processos históricos coloniais, a violência sofrida por este povo está presente até os dias atuais. Durante o período das missões dos padres jesuítas, os indígenas foram levados a abandonar suas línguas maternas, sendo proibido seu uso. Isso ocorreu porque o aldeamento onde se encontra a Terra Indígena Pankararu foi formado por diversas etnias, com o propósito de reunir o máximo possível de pessoas indígenas para fins de catequização, introduzindo a língua portuguesa como a oficial daquela localidade. Entretanto, com muita luta os Pankararu ainda mantem suas tradições e costumes vivos e conservados

A luta Pankararu pelos seus direitos começou muito cedo, mas a principal conquista foi em 1940, com a demarcação de seu território reconhecido e homologado como Terra Indígena Pankararu. Nessa época, existiam muitos conflitos com não-indígenas por causa do território, que diziam ser donos daquelas terras que foram “dadas” aos Pankararu, criando uma disputa por terra. Então, os posseiros e os indígenas Pankararu entram em conflito, pois a comunidade indígena estava ficando sem terras para agricultura e vivendo um momento de escassez no sertão.

Esse foi um dos períodos em que muitas pessoas indígenas de diversas etnias deixaram suas aldeias e famílias para procurar melhores condições de vida no contexto urbano. Na década de 50, com todas essas questões de competição por terra e as necessidades falando mais alto, acontece a migração para o sudeste, com a maior concentração para o estado de São Paulo, seguindo para a capital do estado muitos homens Pankararu. Esses homens Pankararu encontraram trabalhos precarizados, mas continuaram a resistir.

Com a demanda de trabalho na cidade de São Paulo, aumentaram as ondas migratórias do povo Pankararu. Muitos homens trabalhavam na construção civil, como pedreiros e serventes de obras. Participaram das construções de marcos históricos de São Paulo, como o Palácio dos Bandeirantes, que na sua construção pertencia à família Matarazzo, e o Estádio Cícero Pompeu de Toledo, ambos na região do bairro do Morumbi, na zona sul.

Com o crescimento da comunidade indígena Pankararu, encontraram um espaço para se abrigarem, que na época não era dos melhores, na atual comunidade do Real Parque, distrito do Morumbi. Ali se concentra a maior população de indígenas Pankararu de São Paulo, mas estão presentes também em outras comunidades e em outras cidades dos estados de São Paulo e Minas Gerais. É importante destacar que, por muitos anos, os indígenas Pankararu sofreram com a discriminação e ignorância da vizinhança por trazerem suas crenças, saberes e adaptarem seus rituais a serem feitos em suas casas.

Os Pankararu no sudeste são um dos maiores povos que se auto-organizam fora de suas terras indígenas. Estabeleceram-se no bairro Real Parque e ajudaram a construir a 'Favela da Mandioca' como era conhecida. Esse popular nome começou a entrar em desuso quando os projetos de desapropriação e urbanização removeram casas, nascentes e grandes espaços verdes da comunidade.

Os Pankararu sempre fizeram questão de manter o diálogo com os governos que remodelaram a comunidade, dessa forma nos organizamos para reivindicar um “espaço” nosso por educação, saúde e de expressão religiosa. As urbanizações das décadas de 1990 a 2010 aconteceram ambas após incêndios que os moradores apontam como criminosos e negligenciados pelas autoridades.

Depois do último incêndio, a comunidade nunca mais foi a mesma, muitos parentes voltaram para a aldeia. Outros se espalharam por lugares que julgavam ser mais seguros. Muitos perderam as casas que seus mais velhos haviam construído. Foi a última vez que as pessoas acessaram o último espaço verde da comunidade. Ricardo Salles, ex-ministro do meio ambiente, em 2011 recorreu três vezes a justiça para que as obras de moradia não fossem realizadas ali. Ele, representando os condomínios de luxo, dizia que não existiam espaços para moradia popular.

É importante lembrar que muitos Pankararu foram trabalhadores da construção civil, sendo explorados ao trabalharem na construção daqueles empreendimentos que cercam a comunidade. Nos importantes espaços restantes, ainda eram feitos alguns ritos sagrados, plantação de alimentos e ervas somente encontradas em outros biomas. Quando os indígenas dizem que estão em guerra há mais de 500 anos, cremos realmente que as atrocidades que foram feitas na nossa comunidade se somam aos crimes que acontecem há séculos.

As missões dos grupos religiosos, os agentes do período monárquico, militares e funcionários das velhas repúblicas até os policiais militares do retorno à democracia e da nova Constituição, que entraram em contato com os nativos Pankararu, não atenderam ao costume mundial ético de respeito à dignidade humana e nem a Carta Magna.

Desde a Invasão, cada geração possui seus motivos para lutar pela preservação de sua cultura. Os forçosos aldeamentos e catequização, a perseguição militar, a demarcação e a transposição do Rio São Francisco sob nossas águas e terras sagradas. Todos esses choques culturais nos ensinaram como nos defender. Essa aproximação com os não indígenas e outros povos foram mostrando novas formas de comunicação e organização sociopolítica.

Algumas migrações não encontraram a Favela da Mandioca, membros de muitas ramas se perderam no processo de migração e nunca mais retornaram. Eva dos Nicó era uma Pankararu da aldeia Saco dos Barros, seus filhos quando atingiam idade, na adolescência ou como jovens adultos, começavam a procurar trabalho dentro e fora da aldeia. Naquela época, era necessário documentos para sair dos territórios.

João era um dos filhos de Eva e acabou perdendo seus documentos durante sua busca por trabalho. Infelizmente naquele tempo ainda não era letrado e não soube voltar para sua família. Depois de 20 anos, conseguiu andar pela Bahia e Pernambuco com ajuda de sua companheira e reencontraram parte de sua família na aldeia mãe. Durante seus anos em São Paulo, João pouco soube sobre as movimentações de seus parentes e assim como muitos descobriu a presença Pankararu por meio das notícias acerca de suas organizações para reivindicar seus direitos.

Os Pankararu em São Paulo na década de 2000, conseguiram o reconhecimento do estado e da Funai para consolidar na lei sua Associação e organização social, o que antes era negado. Dentro da Associação Indigena S.O.S Comunidade Indigena Pankararu os indígenas votam nos representantes responsáveis por uma busca contínua pela segurança alimentar, um espaço para a educação, moradia do povo e representação nos espaços políticos.

Após o reconhecimento trazido pelas lideranças Pankararu, a Favela da Mandioca tornou-se um ponto de encontro entre os indígenas no estado de São Paulo. Essa comunidade já foi morada de indígenas Pankararé, Pankará, Potiguara, Jiripancó e muitos outros. Parentes de diferentes povos em São Paulo nos perguntavam como havíamos acessado os direitos que antes não eram viáveis para indígenas fora de seus territórios.

Como por exemplo o "Posto de Saúde", nas leis após a promulgação da constituição de 1988, fica estabelecido que existe uma diferença no tratar da saúde dos povos indígenas e que saberes tradicionais devem ser respeitados, sendo de grande importância, assim, ter uma equipe de agentes de saúde com essa especificidade. Antes, os Pankararu denunciavam os atendimentos capacitistas e preconceituosos. Após a equipe indígena acessar o ambiente, nossa presença se tornou mais efetiva, com mais encontros positivos entre profissionais e o povo.

Os mais velhos sempre aconselharam os mais novos a procurar uma educação não-indígena, para além de sua própria tradição. Eles apontaram que as leis eram criadas fora dos territórios, então era necessário a participação de Pankararu nessas criações. Os agentes governamentais tomaram posse em outras cidades e as instituições estabeleceram critérios e requisitos estatais das formas corretas de viver ou de quem poderia passar por uma contratação de trabalho em diferentes áreas que atendessem os povos tradicionais. Era preciso ocupar esses espaços, sabendo pela experiência que os acessos às certificações e diplomas eram os requisitos para isso.

O programa de educação superior Pindorama na PUC-SP proporcionou os acessos na luta da certificação universitária para estarem aptos às diferentes demandas trabalhistas que dão retorno aos povos dos alunos graduandos: Professores, Músicos, Médicos, entre outros. Muitos Pankararu pisaram com o Pindorama e se formaram em diversos conhecimentos. Uma pequena parte do pisar Pankararu foi escrito aqui para mostrar sua luta e um apelo para que este assunto possa chegar onde deve, a toda a comunidade acadêmica da PUC-SP e de fora.

Afinal, todas as sociedades precisam de pessoas que curam, cantam, protegem, educam e ritualizam. Ser indígena não nos impede de aprender ou usar tecnologias, usamos do que nos foi ensinado para preservar quem somos nesse mundo. Em 2023, indígenas de todos os Biomas Brasileiros viajaram à Paraíba até a aldeia Jaraguá do povo Potiguara, para participar do décimo Encontro Nacional dos Estudantes Indígenas. Debateram sobre os maiores empecilhos estudantis do fundamental ao superior na "Educação Indígena".

Mesas de debate específicas para apresentar como os indígenas estão nas Academias e como pode ser nutrida a continuidade de indígenas nas universidades. Os movimentos estudantis indígenas do Brasil afirmaram que precisam e reivindicam a Bolsa Permanência, porém o número de necessitados desse auxílio é maior do que sua distribuição.

Os Pankararu graduandos na PUC-SP não estão inclusos no direito de beneficiários desse auxílio. Por mais necessário que possa ser em muitos casos, eles estão de acordo nos critérios exigidos pelo governo para ter acesso a bolsa. Exceto um, os indígenas que estão em uma faculdade particular não se enquadram. É importante salientar a existência de Pindorama na PUC-SP antes das Leis de Cotas e da Própria Bolsa Permanência de 2012.

Vejam, então que alcançamos por meio da luta organizada um espaço para Saúde onde formados podemos trabalhar com o povo. Nossa experiência nessas duas décadas de existência neste espaço para Educação que o Pindorama se tornou mostrou que precisamos desse auxílio e de iniciativas semelhantes para acessar e permanecer nas Academias universitárias. Assim como a universidade precisa das nossas ciências e saberes.

 

Lançamento: Pindorama - 20 anos de História

No último sábado, 27/4, aconteceu no auditório 100, o lançamento da primeira parte do documentário Pindorama: 20 anos de História, produzido pelo Programa Pindorama junto à TV PUC. O evento reuniu indígenas alunos e ex-alunos, seus familiares, assim como aliados, PROCRC e pessoas que fizeram parte da História do Pindorama, como os ex-coordenadores Benedito Prezia, Ana Bataglin e Marisa Pena. A tarde foi marcada pela emoção dos depoimentos de alguns presentes, que manifestaram a relevância do Programa não apenas no âmbito acadêmico, mas no fortalecimento das comunidades indígenas os quais são pertencentes. Partilhou-se ainda sobre os desafios contemporâneos enfrentados pelos indígenas discentes, e sobre a necessidade de um avanço na política de acesso e assistência estudantil aos povos indígenas.

Confira o Capítulo 1 do Programa Pindorama 20 Anos de História.

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